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Pacote Anticrime: surto de estelionatos e redução dos roubos

*Por Philipe de Paula da Silva Pinho

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O endurecimento da legislação penal é frequentemente adotado e louvado como estratégia para mitigar a criminalidade. Contudo, alterações legislativas específicas desavisadas podem tanto reduzir quanto aumentar a incidência de determinados delitos. Tanto a Lei 13.654/2018, quanto a Lei nº 13.964/2019, conhecida como “Pacote Anticrime”, exemplifica essa dicotomia ao modificar disposições relativas aos crimes de roubo e estelionato.

As sobreditas normas introduziram novas majorantes ao delito de roubo, incrementando a pena em 1/3 a metade em alguns casos, bem como um aumento fixo de 2/3 para outros. Além disso, inseriram diversas modalidades de roubo (quando o agente subtrai o bem com violência ou grave ameaça) no rol de crimes hediondo e aumentaram o tempo de progressão de pena para delitos violentos em geral.

Analisando os dados disponíveis e compilados a partir das informações da Secretaria de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso, a redução dos índices de roubo foi vertiginosa, indo de 2019: 13.978 ocorrências; 2020: 9.937 ocorrências; 2021: 8.311 ocorrências; 2022: 6.213 ocorrências e 2023: 5.144 ocorrências.

De outro lado, nem todas as notícias são boas. A mesma Lei nº 13.964/2019 alterou a natureza da ação penal no crime de estelionato, tornando-a, em regra, pública condicionada à representação da vítima.     Essa mudança implica que a persecução penal depende da manifestação expressa da vítima, o que pode resultar em subnotificação e, consequentemente, no aumento da impunidade.

Adicionalmente, a pandemia de COVID-19 acelerou a digitalização de diversas atividades, ampliando o uso de tecnologias e, inadvertidamente, expondo indivíduos a novas modalidades de estelionato, especialmente no ambiente virtual. Essa combinação da necessidade de representação da vítima e o crescimento dos crimes cibernéticos se mostrou extremamente perigosa e fatalmente contribuiu para o aumento da incidência de estelionatos, uma vez que muitas vítimas, por desconhecimento ou receio, deixam de formalizar a representação necessária para a instauração da ação penal.

Uma rápida olhada nos dados sugere exatamente isto: a partir de compilações da Secretaria de Estado de Segurança Pública, verificamos salto de cerca de 7 mil casos em 2019 para mais de 20 mil casos em 2023, um aumento de aproximadamente 185% no número de ocorrências de estelionato registradas em MT.

De todo o analisado, as alterações legislativas promovidas pelas leis editadas em 2018 e 2019 evidenciam que o recrudescimento penal pode ser eficaz na redução de determinados crimes, como o roubo, ao aumentar as penas e, assim, desestimular a prática delitiva. Entretanto, modificações que dificultam a persecução penal, como a exigência de representação no estelionato, podem resultar no efeito oposto, favorecendo o aumento da criminalidade.

Não podemos nos esquecer, porém, que a criminalidade é um fenômeno complexo que não comporta soluções simplistas. É imperativo que o legislador avalie cuidadosamente os impactos de cada alteração normativa, considerando não apenas o aumento das penas, mas também a facilitação dos mecanismos de persecução penal e a adaptação às novas realidades sociais e tecnológicas. Nesse contexto, revisitar e, quando necessário, recrudescer a norma penal – penas e regime de cumprimento – de outros crimes pode ser uma medida eficaz, sempre que acompanhada de políticas públicas integradas que visem à prevenção e repressão da criminalidade de forma equilibrada e justa.

*Philipe de Paula da Silva Pinho é delegado de polícia e especialista em direito penal.

Instagram @philipepinho

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